Sustentabilidade, educação e respostas a cancro e vírus entre os vencedores

Um software que recorre à Inteligência Artificial para ligar o setor aeronáutico em Blockchain e que promete patrocinar a primeira transferência entre aeronaves no mundo; uma tecnologia que filtra 85% dos óleos e gorduras alimentares presentes na água, reduzindo a poluição que os mesmos causam; e um jogo que pretende devolver a motivação ao ensino. Eis três das ideias nascidas da investigação científica e tecnológica realizada em Instituições de Ensino Superior portuguesas premiadas no dia 15 de julho, na edição de 2020, a quinta, do programa Born from Knowledge Ideas, promovido pela ANI, e que visa impulsionar a transferência de conhecimento para o tecido empresarial.

Numa edição ainda marcada pela pandemia, o júri decidiu premiar dois projetos de saúde: na categoria “Soluções Tecnológicas para Prevenção, Deteção e Tratamento da Covid-19”, distinguiu-se o projeto spiro4MALAIDS que descobriu uma molécula promissora que, além de inibir o HIV-1 e o HIV-2 também mostrou ser ativa contra estirpes multirresistentes do mesmo vírus. Provou, igualmente, ser ativa contra vários vírus respiratórios como, por exemplo, o influenza. Por sua vez, o expressPIK, um teste de diagnóstico complementar com base na expressão de mutação do RNA, para ajudar os médicos a identificar pacientes com cancro de mama com maior probabilidade de responder ao tratamento com alpelisibe ou outras terapias anti-PIK venceu na categoria “Saúde e Bem-Estar”.

Nesta edição, adiada por causa da pandemia, estiveram a concurso 33 projetos, distribuídos por seis categorias: Inteligência Artificial e Tecnologias Avançadas de Produção; Recursos Naturais, Ambiente, Energia e Mobilidade Sustentável; Saúde e Bem-Estar; Turismo, Indústrias Culturais e Criativas; Recursos naturais para a valorização do interior; e Soluções Tecnológicas para Prevenção, Deteção e Tratamento da Covid-19.

O júri, formado por João Mendes Borga, administrador da ANI; José Vale, Diretor de Empreendedorismo e Inovação do IAPMEI; Rui Ferreira, vice-presidente executivo da Portugal Ventures; e Cláudia Montenegro, diretora de Responsabilidade Social da Galp, avaliou os oito finalistas, que apresentaram os seus pitches, depois de uma formação recebida no Instituto Pedro Nunes (IPN).  

“Têm concorrido a este programa excelentes projetos vindos da ciência e do ensino superior e que se têm revelado ideias de negócio promissoras”, afirmou João Mendes Borga, que garantiu a continuação do BfK Ideas, cuja edição de 2021 está já a ser preparada.

Para o administrador da ANI, os oito projetos finalistas atingiram já uma “meta” importante, posicionando-se “no topo de uma pirâmide sustentada” pelas instituições de ensino superior que, ao concorrerem, assumem a coragem de avançar com ideias, por vezes, arriscadas na área da inovação científica.

EARHART para reduzir ineficiência, erros e custos na indústria aeronáutica

Na categoria “Inteligência Artificial e Tecnologias Avançadas de Produção” os dois finalistas apurados foram os projetos EARHART e GiiE - Gestão da Infraestrutura de Instituições de Ensino, tendo saído vencedor o primeiro.

A indústria aeronáutica, a viver uma profunda crise na sequência da pandemia por Covid-19, não comunica entre si, o que, além da poupança de recursos, lhes permitiria reduzir drasticamente a ineficiência, erros que custam tempo e dinheiro e podem até colocar em causa a segurança. É neste contexto que surge a solução EARHART, uma base comum na Blockchain para unir todas as companhias aéreas, através da criação de protocolos para que toda a informação seja imutável, de confiança e instantânea. Permite uma redução de intervenientes em todo o processo, uma vez que tudo é conduzido de forma automática e numa base comum, os tempos de processamento são eliminados. 

Embraer e Streamline são early adopters da tecnologia que Luís Santos, um dos promotores, potenciará a primeira transferência entre aeronaves em Blockchain do mundo.

O projeto, desenvolvido por um grupo de investigadores do ISEC Lisboa - Instituto Superior de Educação e Ciências, deverá ficar concluído em 2024, prevendo-se que os dois primeiros módulos estejam prontos em setembro deste ano.

Para Luís Santos, este projeto provocará uma transformação no funcionamento da aviação nos próximos anos.

SmartText: porque só 15% a 20% dos óleos e outras gorduras alimentares não vão parar aos nossos recursos hídricos

Existe um problema: uma quantidade muito reduzida (estimada em 15 a 20%) de óleos e gorduras são retidos atualmente nas Estações de Tratamento de Águas Residuais (ETAR) e são eliminados sem qualquer tipo de valorização. Um litro de óleo contamina um milhão de litros de água, tantos quantos precisaríamos para viver até aos 40 anos. Recorrendo a materiais abundantes na natureza e biodegradáveis, celulose e argila, a SmartText, desenvolvida por investigadores da Atlântica – Instituto Universitário, é um filtro que, usando nanopartículas, permite filtrar cerca de 85% do óleo das águas antes de estas serem despejadas nos afluentes de água.

A SmartText alia ainda um baixo custo de produção à valorização de recursos, já que a gordura captada da água pode ser vendida à indústria dos biocombustíveis, entre outras.

O projeto conta já com parceiros como a Águas de Portugal e a Prio (que tem dificuldade em encontrar matéria-prima de qualidade, a que esta tecnologia lhe permitiria aceder).

“Uma ideia com pernas para andar”, na ótica de José Vale, do IAPMEI, que acredita que encontrar um parceiro para o fabrico dos filtros deve ser uma prioridade para a SmartText, a qual procura um financiamento de 430 mil euros em 24 meses.

O outro finalista na categoria de “Recursos Naturais, Ambiente, Energia e Mobilidade Sustentável” era a Algastraw.

Vencer o BfK Ideas representa para a SmartText “o reconhecimento do potencial da ideia”, como afirmou Catarina Trindade.

Jogar, aprendendo, permitiria devolver aos alunos a motivação para aprender

Kendir Studios é um projeto que oferece aventuras digitais com um propósito e venceu o BfK Ideas na categoria “Turismo, Indústrias Culturais e Criativas”.

Verificando que a desmotivação e as perdas de aprendizagem aumentaram com a pandemia junto dos alunos portugueses, os investigadores do Instituto Politécnico do Porto desenvolveram um motor de criação de jogos educativos no estilo Role-Playing Games (RPG) com capacidade educativa completa e funcionalidades de suporte ao estudo.

Completamente em 3D, os jogos são adaptáveis aos diversos níveis de ensino, disciplinas e mercados, pelo que os promotores estão já a receber contactos de várias instituições de ensino de alguns países para a implementação do Kendir Studios.

O projeto conta com uma equipa de 30 investigadores e especialistas pedagógicos, tendo também encetado contactos com profissionais de outras geografias para que a implementação da tecnologia nas mesmas seja rápida.

A prioridade da equipa envolvida no projeto Kendir Studios é angariar um financiamento de 100 mil euros que lhe permita manter-se até ao final do segundo trimestre – altura em que pretendem já lançar o jogo para os primeiro e segundo ciclos – e investir já em Marketing e equipamento.

A concorrer com o Kendir Studios estava o projeto CANU, uma plataforma de entreajuda de alunos da Escola Superior de Hotelaria e Turismo do Estoril.

E se houvesse um medicamento para inativar diferentes tipos de vírus e parasitas intracelulares como o da Malária?

O risco de uma nova pandemia não desaparecerá com o controlo global da Covid-19. Há outros vírus com potencial de criar uma situação como a que hoje vivemos ou até mais grave. Spiro4MALAIDS resulta da descoberta de novas espiro-β-lactamas com notável atividade contra vírus como o HIV, o Influenza, e parasitas como o que provoca a Malária, por exemplo.

BSS-730A tem, segundo Nuno Alves, um dos promotores, um perfil “farmacoterapêutico revolucionário”.

Neste momento, existe já um pedido de patente nos Estados Unidos e na Europa e o objetivo da equipa de investigadores é arrancar com testes in vivo para, até o final de 2023, começarem os ensaios clínicos de primeira fase.

O projeto que venceu o BfK Ideas na categoria “Soluções Tecnológicas para Prevenção, Deteção e Tratamento da Covid-19” vem da Universidade de Coimbra e tem como prioridade a constituição de uma start-up para poder concorrer a apoios financeiros e continuar a desenvolver-se.

expressPIK torna terapia ao cancro da mama num tiro ao alvo

Também vencedor na categoria “Saúde” foi o projeto expressPIK de uma equipa de investigadores da Universidade do Algarve. O tratamento com alpelisibe ou outras terapias anti-PIK vieram revolucionar a terapêutica ao cancro da mama, ao possibilitar tratar apenas as células afetadas pelo cancro, preservando as restantes. No entanto, nem sempre os testes existentes no mercado leem a mutação PIK3CA, presente em muitos cancros da mama. O expressPIK vem responder a essa lacuna, caracterizando-se com um teste diagnóstico complementar com base na expressão de mutação do RNA fiável, rápido (resultados em duas horas) e barato. O objetivo é ajudar os médicos a identificar pacientes com cancro de mama com maior probabilidade de responder ao tratamento com alpelisibe ou outras terapias anti-PIK.

Com um potencial de negócio calculado pela equipa de investigadores de 70 milhões de euros ao ano, e podendo ser escalável a outros cancros com mutações similares, a solução poderá ter um protótipo daqui a ano e meio.

BfK Rise: Programa de Aceleração Tecnológica de três meses

Os vencedores do BfK Ideas têm entrada direta para o programa de Aceleração em ciência e tecnologia “BfK Rise”, também da responsabilidade da ANI. Estão previstas três edições -  Norte, Centro e Alentejo - em que os participantes terão ao longo de três meses o acompanhamento próximo de uma rede de mentores, constituída por outros empreendedores, entidades parceiras da ANI, empresas, entre outros. O objetivo é capacitá-los de forma a poderem acelerar o processo de transferência de conhecimento em produtos ou serviços para o mercado.

Rick Salmon: “Concentrem-se no problema”

A cerimónia da 5ª edição do BfK Ideas contou como keynote speaker com o norueguês Rick Salmon, “empreendedor em série”, como lhe chamou Carlos Cerqueira do IPN, que, com a jornalista Rute Sousa Vasco, coapresentou o evento.

Considerando a sua experiência de 20 anos como empreendedor e business angel recordou que o que faz um pitch vencedor nem sempre é a ideia ou negócio, mas a forma como a história é contada. Por isso, aconselhou os promotores a concentrarem-se no problema quando apresentam a solução que desenvolveu como modo de captar a atenção dos investidores. “Só quando se reconhece que há um problema, é que se procura ouvir a solução”.

Lembrando aos promotores, sobretudo àqueles cujo percurso se desenvolve em áreas muito técnicas, que podem ter a melhor ideia do mundo e assim mesmo torná-la “aborrecida” pela forma como a abordam, Rick Salmon deixou o exemplo de Einstein: “Ele recorria imenso a metáforas”.

Reveja o evento final aqui.